Como vai a Lei de Bases do Clima mudar Portugal
Conheça o documento que é a base da política climática portuguesa para o presente e futuro e que quer espoletar mudanças estruturais na economia e sociedade.
Se a ciência já o sabia, a Lei de Bases do Clima admitiu-o. Diz o Artigo 2.º do Capítulo I da lei que “é reconhecida a situação de emergência climática”. Por isso, é preciso agir em conformidade.
Aprovada a 31 de dezembro de 2021 e em vigor desde 1 de fevereiro de 2022, a lei-quadro contém os princípios, objetivos, direitos, deveres e obrigações que guiarão a política climática portuguesa em direção à neutralidade climática, meta estabelecida pela União Europeia (UE). Mas a Lei de Bases do Clima vai ainda mais longe: em vez de deixar esse objetivo para 2050, como fez a UE, antecipa-o para 2045. Para atingir este objetivo ainda mais ambicioso, não são só os esforços do Estado que contam.
Sendo as alterações climáticas um problema de todos, os vários níveis de poder são chamados a intervir. Até 1 de fevereiro de 2024, ou seja, 24 meses após a entrada em vigor da Lei de Bases do Clima, cada Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e cada município tem de criar um Plano Regional de Ação Climática e um Plano Municipal de Ação Climática, respetivamente.
Nestes documentos, autarquias e CCDR definem como vão responder às alterações climáticas, quer ao nível da adaptação, quer ao nível da mitigação. Como tal, devem ter em conta as características, vulnerabilidades e os cenários climáticos específicos de cada região ou município.
Um desafio que envolve todos os setores
Ainda que sejam respostas específicas para cada território, os Planos Regionais e os Planos Municipais de Ação Climática devem estar alinhados aos princípios e objetivos desta lei. E, claro, ao seu grande objetivo: a neutralidade climática. Mas o que é que alcançar esta meta vai significar para Portugal?
Significará tornar a economia e sociedade resilientes às alterações climáticas, realizando uma transição energética justa. Ou seja, cumprindo o plano, Portugal irá diminuir progressivamente, mas significativamente, as emissões de gases de efeito de estufa (GEE) e compensar as restantes, protegendo trabalhadores e garantindo a criação e a requalificação de emprego.
Por outro lado, transitarmos para uma economia verde implicará transformações drásticas em vários setores de atividade. Um deles será a energia, onde a lei diz que, a partir de 2021, é proibida a utilização de carvão na produção de energia elétrica e, a partir de 2040, o mesmo acontece com o gás natural de origem fóssil.
A substituição destas fontes poluentes de energia por fontes renováveis e endógenas é o caminho para descarbonizar a economia, mas não é apenas aí que essa palavra “descarbonização” ganha peso. Também é preciso uma renovação profunda do setor residencial, refere a lei, com vista a resolver um problema evidente nas habitações em Portugal: a pobreza energética.
“Mais de 70% das famílias portuguesas vivem em casas desconfortáveis”, ou seja, frias no inverno e quentes no verão, o que as obriga a gastar uma parte significativa de orçamento e energia no seu próprio conforto térmico, explica João Joanaz de Melo, investigador do Center for Environmental and Sustainability Research.
Uma das soluções previstas na lei para este problema é a “reabilitação urbana, a renovação profunda do parque imobiliário, o aumento da eficiência energética nos edifícios e a melhoria do conforto térmico”. Outro setor a descarbonizar é o da mobilidade. Sendo que o transporte rodoviário é responsável por 71,7% de gases de efeito de estufa (GEE) no setor dos transportes na UE, de acordo com dados da Agência Europeia do Ambiente relativos a 2019, a Lei de Bases do Clima quer tornar o setor dos transportes mais sustentável.
Algumas vão demorar a fazer-se notar, enquanto outras medidas ainda não viajaram do papel para a prática
Agricultura, pesca, alimentação e indústria são apenas outros setores onde assistiremos a grandes mudanças, se tudo se cumprir na Lei de Bases do Clima. Algumas vão demorar a fazer-se notar, enquanto outras medidas ainda não viajaram do papel para a prática, embora o prazo de implementação já tenha terminado.
Assim, apesar de a lei reconhecer a emergência climática em que vivemos, “não parece haver grande urgência em aplicá-la”, já que “neste momento, existem vários pontos da lei que estão em incumprimento”, afirma Pedro Nunes, coordenador da Área Clima, Energia e Mobilidade da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável.